Desigualdade Social no Brasil

Historicamente, o Brasil é um país que teve como matrizes na formação da sua sociedade influências de três culturas diferentes, o europeu, o índio e negro. Essa mistura trouxe também grandes implicações e desigualdades políticas, sociais e econômicas, principalmente, para os indígenas e afrodescendentes. Foram anos de dominação e exploração da comunidade indígena e negra brasileira.
Um pouco mais de um século depois do fim do regime escravocrata, a situação da população negra ainda carrega marcas das consequências da política e do ideário do colonizador. Nos tempos atuais enfrenta as mazelas da falta de planejamento e políticas públicas que busquem reverter o quadro de desigualdades sociais. As mudanças exigem sérias medidas de ajustes e investimentos na saúde, educação, moradia, saneamento básico, cultura, lazer e segurança. O foco principal dessas mudanças é a ruptura do paradigma que legitima a cultura do branco como referência. A lógica do colonizador desqualificou o modo de vida, os costumes, a religião e a culturados povos africanos, enraizando preconceitos, institucionalizando-se nas ações e distribuição geográfica e de renda da população negra no Brasil.
O racismo no Brasil é algo velado, nas últimas décadas, questões relacionadas a raça/cor são consideradas, em estudos oficiais, como elementos de análise da diversidade social, cultural e histórica. Entender a lógica do processo é primordial para elaborações de políticas públicas que tenham como objetivo a reversão do quadro atual.
O uso desta variável não está vinculado a uma tentativa de quantificar características biológicas da população, mas está diretamente relacionado ao reconhecimento de que raça e cor causam impactos deletérios nas condições de vida e oportunidades da população (SCHWARTZMAN, 1999). Além disso, é reconhecido, na atualidade, que inscrições raciais específicas podem criar barreiras impedindo a mobilidade social de algumas pessoas e grupos sociais devido ao preconceito e à discriminação. (ABRAMOVAY, 2010, p.204).
Os resultados desses estudos e o cruzamento estatísticos desses dados refletem a necessidade urgente de implementações de medidas que podem a longo, médio e curto prazo suavizar os efeitos de uma sociedade escravocrata por origem de formação.
O debate do multiculturalismo que na Europa foi amplamente utilizado para diferenciar o pluralismo cultural, nos Estados Unidos foi designado para diferenciar os negros atingidos pela exclusão social. Bourdieu usa o termo “guetoização” para explicar o surgimento de bairros Americanos ditos de imigrantes que produzindo uma despolitização dos problemas sociais e políticos que assolam a economia e as políticas de atendimentos a essa classe de cidadãos americanos.
O racismo no Brasil, diferente da lógica americana é marcado pela cor da pele, não só por sua descendência. Neste sentido, basta ter a pele clara ou morena para se auto declarar branco. Esse fato confirma-se nas pesquisas que foram feitas pelo CENSO. Surge com isso um debate interessante entre “raça” e “identidade”, o olhar do observador e do que é observado e avaliado de acordo com a visão etnocêntrica do colonizador sob o colonizado. Segundo Bourdieu e Wacquant o exemplo americano não serve como referência para países como o Brasil, que tem uma representação histórica e geográfica diferente da tradição americana.
A maior parte das pesquisas recentes sobre a desigualdade etno-racial no Brasil, empreendidas por americanos e latino-americano formados nos Estados Unidos, esforçam-se em provar que, contrariamente à imagem que os brasileiros têm de sua nação, o país das “três tristes raças” (indígenas,negros,descendentes dos escravos, brancos oriundos da colonização e das vagas de imigração europeia) não é menos “racista” do que os outros; além disso, sobre esse capítulo, os brasileiros “ brancos” nada têm a invejar em relação aos primos norte-americanos. Ainda pior, o racismo mascarado à brasileira seria, por definição mais perversa, já que dissimulado e negado. (2002, p.19)
A história brasileira retrata condições de tamanha desigualdade social e vivemos segregados pela cor da pele, pela extrema pobreza, pela violência que assolam as camadas populares, presenciando, diariamente, nos meios de comunicação o extermínio de jovens oriundos dessa camada da população.
Até quando a população negra vai ter que esperar para ter diretos básicos assegurados, como educação de qualidade e acesso ao ensino superior? Até quando iremos assistir notícias relacionadas as minorias da população, tendo foco no aumento da violência e nas desigualdades de oportunidades?
Entende-se como racismo o tratamento desigual de pessoas, nas mais variadas situações sociais, baseado na ideia de superioridade racial (GUIMARÃES, 2004). Raça, ao longo deste trabalho, deve ser compreendida como signo, que é utilizado para organizar ou classificar categorias de pessoas a partir da cor de suas peles, indicador do posicionamento dos indivíduos em uma determinada sociedade (SEGATO, 2005). Ou seja, o conceito utilizado não se refere às supostas diferenças biológicas entre grupos humanos de origens distintas-diferenças estas descartadas tanto pela biologia quanto pela Antropologia, mas a um conjunto de ideias, socialmente relevantes, que hierarquizam os grupos humanos a partir do pertencimento racial, étnicos ou, no caso brasileiro, por meio da marca corporal da cor.
Desse modo a discriminação racial causa efeitos na medida em que é produto do mundo social classista, que segrega , classifica e separa pessoas tendo como critérios seu inventário cultural, social, a cor da sua pele, o região que mora, fatores que só reforçam a hegemonia da raça branca, onde o poder de compra e acesso a bens de consumo sustentam o mercado mundial e reforçando a concepção de estado mínimo, ou seja a ausência do estado em atividades essenciais para a ascensão das camadas populares e marginalizados do país.
Desconstruir essa lógica não é algo fácil, porque exigem mudanças radicais e estruturais, a inserção da população negra na sociedade brasileira acabando com a hierarquização entre grupos de raças diferentes ainda é visto como utopia, visto que não existe uma política de distribuição de renda capaz de resolver esse grande impasse social. Práticas com cunho compensatório estão sendo implementados, tais como: as Políticas de Ações afirmativas, que vão além das reservas de vagas nas universidades públicas, é um conjunto de medidas que tem como objetivo amenizar problemas de cunho social. Uma das estratégias das ações afirmativas são as cotas raciais que tem contribuindo para amenizar um pouco as desigualdades educacionais desse grupo, porém, ainda é muito pouco, pois é preciso a realização de mais ações que possam contribuir para reversão desse modelo excludente, seletivo, segregado da nossa sociedade.
Através da educação podemos transformar a sociedade.
A educação pode ser um fator de coesão, se levar em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos, evitando assim tornar-se um fator de exclusão social. O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui, de fato, um princípio fundamental, que deve levar à proscrição de qualquer forma de ensino estandardizado (DELORS,2012,p.44).
Sendo assim é primordial o acesso à educação de todos os indivíduos. Estatísticas mostram que conseguimos universalizar o ensino fundamental, mas ainda sofremos com a evasão escolar, principalmente nas camadas da população mais pobre. Esse fator se deve ao ingresso precoce de jovens no mercado de trabalho, muitos sem diretos trabalhistas e em subempregos. Realidade como essa só reforça a lógica da desigualdade social. A necessidade de ajudar na renda familiar é um dos motivos que tem afastado as camadas populares da educação básica, além do abandono político e social que tem jogando esses jovens cada vez com mais frequência no submundo do crime organizado.
A construção da identidade do povo brasileiro vai além do viés histórico e cultural, ela atravessa o imaginário individual de cada pessoa e se solidifica nas ações e reações presentes nas relações humanas. O racismo é um problema de enorme dimensão na medida em que deixa marcas e molda o pensamento coletivo como se a cor de uma pessoa estivesse atrelada a sua capacidade e a sua índole, desconsiderando assim as implicações subjetivas no modo de agir desses indivíduos.
Segundo Vieira (2007) “O racismo no Brasil é visto como uma questão de segunda categoria, na medida em que:”... “Por tempos, raça e as subsequentes exclusão racial foram subestimadas como componentes a serem observados nas reflexões sobre as possibilidades de promoção de uma sociedade igualitária”.
O racismo no Brasil tem sido compreendido como ações isoladas dos indivíduos e não de forma institucionalizada, como um fator cultural e não ideológico, separa-se raça da conjuntura conceitual que o racismo se apresenta no país.
Mesmo nos círculos acadêmicos e circuito político, se construiu uma segmentação onde estudos e questões raciais compreenderiam um espaço especificamente culturalista, ou pautado pelas análises quantitativas sociológicas. Até mesmo a discussão sobre reconhecimento, que cada vez mais tem tomado espaço nas discussões políticas (Feres Jr.2003), distancia-se por vezes da raça e aproxima-se dos nacionalismos, como se raça não fosse de fato uma categoria relevante para a análise da formação dos Estados; combater as desigualdades sociais ( VIEIRA , 2007, P.80).
Essa visão etnocêntrica do problema racial no Brasil desvia o foco principal ao analisar a cor de um indivíduo como fenômeno cultural, desconsiderando os aspectos ideológicos e políticos envolvidos na questão, simplificando o homem como algo social sem desdobramentos no projeto da Nação. Sendo assim as ações afirmativas precisam ser compreendidas como estratégias, não como bônus do governo para favorecer determinados grupos sociais. De acordo com Vieira (2007,p.81) países como Suécia, Austrália, Canadá e Holanda reconheceram-se multiculturais e adotaram medidas francamente promotoras e valorizadoras da diversidade. E, utilizando certo exagero conceitual, podemos afirmar que o debate sobre ações afirmativas, na metade do século XX, influenciou as recentes discussões sobre multiculturalismo, resultantes do acirramento dos conflitos étnicos vivenciados, sobretudo pelos países da Europa Central e do Leste (Graziano, 1994) nas duas últimas décadas do século passado; e da necessidade dos países econômica e industrialmente desenvolvidos em lidar com os movimentos migratórios de raças, etnias e culturas diversas.
No Brasil, a última década está marcada pelas discussões e debates sobre ações afirmativas, em grande parte por conta do Movimento Negro Brasileiro, que através de suas lutas traz para o centro de debates a discriminação e as desigualdades raciais.
De modo geral, o debate sobre a implementação de ações afirmativas no Brasil não é recente; de fato já na década de 1960 tais medidas eram aclamadas por alguns setores do movimento negro, e inclusive por alguns (poucos) membros do governo (Guimarães, 1997), como uma forma de alterar a situação desigual entre negros e brancos no país (VIEIRA, 2007.p, 82).
O debate sobre ações afirmativas no Brasil, ainda é antagônico e contraditório, gerando inúmeras opiniões em diversos segmentos da sociedade. A finalidade e eficiência dessas medidas principalmente ao que diz respeito às reservas de vagas nas universidades públicas através do sistema de cotas, dividem muito a sociedade gerando grande polêmica sobre sua implantação.
A ausência do Estado Brasileiro no debate sobre as desigualdades sociais e discriminação racial fortaleceu a militância dos movimentos negros, em especial as comemorações pelo Centenário da Abolição da Escravidão, em 1988.
Na verdade, discussões mais próximas às desigualdades raciais somente foram colocadas em questão no período próximo ás “comemorações” do Centenário da Abolição e Escravidão, quando o Governo José Sarney, ainda em 1987, divulgou o Programa Nacional da Abolição da Escravatura; e, no ano seguinte com a Lei Caó ( que altera a categorização jurídica para o racismo: quando antes, era considerada contravenção; agora, passa a ser crime inafiançável); e promoveu o reconhecimento do direito das comunidades de quilombos à posse definitiva de suas terras (VIEIRA, 2007, P.88).
A década de 90 foi determinante para o fortalecimento das reivindicações da comunidade negra brasileira, trazendo grandes avanços e conquistas, estabelecendo um canal de diálogo entre sociedade organizada e governo.
A experiência americana influenciou o Brasil ao adotar as medidas afirmativas como elemento para amenizar práticas discriminatórias enraizadas no comportamento social e histórico do povo brasileiro. Tais medidas têm colaborado com uma maior cumplicidade entre governo e entidades civis. O exemplo mais claro disso é a inclusão da Lei n.7716/1998 na Constituição Brasileira tornando o racismo crime inafiançável.
Ainda passado mais de uma década nos deparamos com críticas sobre o sistema de cotas nas universidades públicas e o Brasil avançou pouco no combate as desigualdades sociais. As ações afirmativas atualmente perderam espaço no debate político, pois já fazem parte do programa do Governo, porém ainda há divisão de opinião entre o setor público e sociedade civil quanto a sua constitucionalidade.
As ações afirmativas precisam ser institucionalizadas, caso contrário elas correm o risco de perderem seus objetivos e eficácia. Segundo Vieira (2007, P. 93) “Caso não haja institucionalização, mantendo-se unicamente as iniciativas originárias da sociedade civil, corre-se o risco de que uma das principais forças das medidas voluntárias se transforme em uma de suas principais franqueza”.
O governo ao assumir de maneira tímida as políticas de ações afirmativas, não mostra muita clareza das metas a serem atingidas, dificultando o impacto social que essas ações podem provocar. Segundo Vieira as ações afirmativas no Brasil sofrem instabilidade e confusão em sua instauração, entre elas a sobreposição entre raça e classe, a incerteza quanto à legitimidade e importância de utilização de políticas de ação afirmativa, a dificuldade de reconhecimento da formação de minorias raciais a partir de uma prática de discriminação sistemática e histórica, ou seja, ainda, há uma adesão à defesa dos princípios da meritocracia.
Sendo assim, as ações afirmativas ainda encontram problemas em sua real efetivação para suprir demandas sociais urgentes de combate às mazelas nacionais. A estruturação dessas ações necessita de um diagnóstico preciso e detalhado, para que se criem condições favoráveis a sua aplicabilidade e execução. A organização do Estado Brasileiro na sua infraestrutura é necessária para a ampliação de tais ações e medidas de combate a discriminação racial e a qualquer tipo de discriminação, é papel do estado criar condições para o processo de consolidação, implementação e o mais importante, de institucionalização. Neste sentido, discutir o que são as ações afirmativas e, principalmente, as cotas raciais como uma das estratégias possíveis de mudanças paradigmáticas é o objetivo desse trabalho.
7 августа 2018 г.
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